Com a morte, em São Mateus, no primeiro semestre deste ano, de Esberta Evangelista dos Santos, a dona Caçula, com 115 anos completados dia 18 de janeiro, a mulher mais idosa do Espírito Santo e a 3ª mais velha do Brasil mora em Barra de São Francisco, há 25 anos, na casa da única filha que resta viva: é dona Maria Rita Pereira, que tem 113 anos e caminha firme para fazer 114 no próximo dia 5 de janeiro, mesmo dia em que nasceu a japonesa Kane Tanaka, segundo o Guinnes Book, a mais velha do mundo, nascida em 1903.
Dona Maria Rita é destaque da coluna Leonel Ximenes, do jornal A Gazeta, e foi entrevistada pelo jornalista José Caldas da Costa na semana passada, com fotos de Wilson Roberto. “Mas quem a descobriu foi o Weber Andrade, jornalista que mora há 30 anos em Barra de São Francisco, e nasceu em Mutum, mesma cidade de origem de dona Maria Rita”, observa Caldas.
A mulher de 113 anos quer viver pelo menos mais 50 anos e já conta mais de 100 descendentes, em cinco gerações. Conta a reportagem que é bom não duvidar da determinação dessa mineira de Mutum (MG), que venceu um câncer de mama aos 103 anos, quando extraiu um dos seios, ainda ajuda na cozinha, escuta e enxerga mal, mas se desloca sozinha pela casa e no quintal. Surpreende pela memória e pela disposição não só de viver, mas de viver com alegria.
Canta inúmeras modinhas aprendidas nas lavouras de café de sua terra, gosta de dançar um forró e, segundo a família, se deixar, ainda arranja namorado. Ela teve três maridos, mas filhos, cinco, somente com o primeiro. O último marido, Raimundo José Pereira, que, coincidentemente, tinha o mesmo nome do primeiro, morreu aos 70 anos, quando dona Rita já tinha 98.
“Se a gente deixasse, ela teria arrumado outro”, conta a neta Rosineia, 48 anos, filha de Zenilda Rita de Jesus, 71 anos, conhecida como Santa, e única filha viva de dona Rita e com quem mora. “Se levar no forró, ela ainda dança”, completa dona Santa. O pai de Santa, o primeiro Raimundo José, morreu com 45 anos e o segundo marido, Albertino, morreu com 76.
Quando o repórter senta ao seu lado para conversar, dona Rita saca a primeira cantiga das lavouras de café: “Seu pai não quer / que eu sento perto docê / fura o zóio dele / que gente cega não vê”. E acompanha uma gostosa gargalhada. Aliás, gargalhar é uma das marcas de dona Rita, que tem, desde os 10 anos de idade, o hábito de fumar cachimbo. Aprendeu com a própria mãe. “Ela gritava lá do meio mato e eu tinha que acender o cachimbo pra ela. Foi assim que aprendi”, conta. Outro fator que contribuiu para isso é que o pai dela era “fumeiro: plantava, curtia e vendia fumo de rolo.
Outro hábito, bem próprio de mineiro, ela também adquiriu com a mãe. “Ela bebia cachaça e falava que eu tinha que beber. Então, eu bebia”, gargalha de novo.
Perguntada sobre sua alimentação, dona Rita é direta: “Eu gosto é de carne, muita carne de porco e de galinha, junto com abóbora madura, batalha e inhame chinês”.
Dona Santa conta que a mãe dorme cedo e acorda tarde. Entre sete e oito hras da noite, já está deitada. Não sem antes rezar de mãos postas, o que faz também todos os dias quando levanta, lá pelas nove horas da manhã. Se deixar, segundo a filha, ela dorme o dia inteiro, mas, depois que levanta, ninguém mais segura. Sua primeira refeição é uma caneca de leite queimado acompanhado de biscoitos. Ao meio dia, almoça e come bem. Repete a mesma refeição às cinco da tarde e, antes de dormir, toma uma caneca de leite quente.
Remédio, ela só toma um: um comprimido de 25mg para controle de pressão, tomado apenas uma vez por semana. Casou-se, pelos cálculos da família, com 25 anos, baseados na idade da filha mais velha, Maria Pereira da Silva, que, se viva fosse, estaria com 86 anos. Depois dessa, vieram Ozias, que morreu aos 7 anos de idade, segundo a família ,“envenenado com mistura de comidas”, José Raimundo, que teria 84 anos, Zenilda, viva, com 71 anos, e Zenildo, que teria 69 anos. Este, ficou 30 anos sumido para Rondônia, até o reencontro pouco antes de morrer.
No Natal passado, a família mais próxima fez um encontro na casa de Zenilda. Foi preciso comprar a metade de um boi. Agora, se a pandemia da Covid-19 deixar, eles estão preparando um grande encontro para o próximo Natal. Zenilda admite: “Agora, não vai poder ser meio boi. Vai ter que ser um boi e meio”.
A idade de dona Maria Rita não é só tradição oral. Ela tem Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho nunca assinada, CPF e Título de Eleitor, o último emitido em 1995 em São João de Manteninha (MG), onde morou na casa da filha, antes de mudar-se para Barra de São Francisco. Nunca estudou. “Meu pai só me ensinou a trabalhar, graças a Deus. E a vida inteira trabalhei na roça e na cozinha”, conta ela sem demonstrar qualquer desgosto com isso.
Diante da inevitável pergunta sobre o segredo de chegar a 113 anos com disposição e alegria, Dona Maria Rita é direta: “É viver com vontade de viver e com prazer”. E parece que a fórmula vem de longe. Segundo a família, a mãe dela, Maria Rita Olímpia de Jesus, morreu com 125 anos na casa da filha mais nova, Laurita, hoje com 75 anos.
Quem traz essas informações é o jornalista José Caldas da Costa, que, depois de escrever o premiado livro sobre a Guerrilha, agora se dedica a localizar e entrevistar pessoas centenárias do Espírito Santo. “Encontrei um novo propósito: descobrir o segredo dessas pessoas que passam dos 100 anos com lucidez e alegria de viver. Afinal, se depender de mim, vou aos 153”, revela o jornalista-pesquisador, que estima em mais de 570 o número de pessoas centenárias no Estado, considerando projeções em estatísticas demográficas do IBGE.
Caldas conta que seu objetivo é entrevistar pelo menos 100 dessas pessoas e apresentar um pouco de suas histórias ao público. Para isso, conta com a colaboração de fontes espalhadas no Estado inteiro. Quem descobriu dona Rita e contou sobre ela para Caldas foi o jornalista Weber Andrade, que também nasceu em Mutum e mora há quase 30 anos em Barra de São Francisco.
Dona Maria Rita Pereira assumiu a liderança de pessoa mais velha do Espírito Santo com a morte de Esberta Evangelista dos Santos, a dona Caçula, em São Mateus, onde nasceu e viveu. Dona Caçula já estava muito debilitada, em cima de uma cama, como registrou o jornal local Tribuna do Cricaré. De acordo com o historiador Eliezer Nardoto, “dona Caçula morreu há seis meses”, pouco depois de completar 115 anos no dia 18 de janeiro de 2020.
Terceira mulher mais velha do Brasil, dona Maria Rita tem à sua frente dona Severina Conceição, nascida em 7 de janeiro de 1904, e que completou 116 anos em 2020, e dona Inocência Vieira de Jesus, de Paulo Afonso (BA), nascida em 16 de julho de 1906. Ela é apenas seis meses mais velha que dona Maria Rita.