Um dos mais antigos contadores da cidade fala das dificuldades de estudar e da “saudade” dos velhos tempos Fonte: Editora Hoje Foi por volta de 1954 que a família do contador e advogado Clevelande Nicácio de Souza (foto) chegou a Barra de São Francisco, vinda, como a grande maioria dos migrantes, da cidade de Aimorés.
Clevelande conta que tinha 12 anos ao chegar na cidade, junto com sua mãe, dona Eufrazina Nogueira e as duas irmãs. Figura das mais emblemáticas da cidade, Clevelande está completando 50 anos como contador e tem muitas histórias para contar, além de um pequeno museu de máquinas utilizadas por ele no exercício da profissão.
Os equipamentos, máquinas de escrever e de calcular antigas, ficam expostos bem à porta do seu escritório, com uma placa bem grande dizendo: “Favor nao tocar”. Clevelande é assim, sistemático.
Conta que sua heroína é a mãe, Eufrazina, que comprou a antiga Pensão Fluminense, onde hoje funciona a loja Simonetti, na avenida prefeito Manoel Vilá. “Eu perdi meu pai com dois anos de idade e quando chegamos aqui eu estava com 12 anos. A nossa pensão servia refeições aos militares que estavam aqui para proteger as divisas”, relata, lembrando o tempo do Contestado.
“Eu achava tudo muito estranho, muito armamento, mas nunca vi nenhum confronto. Eu acho que eles ficavam acampados ali no morro do Vai Quem Quer (como era chamada a região do entorno do bairro Estrela, que dá acesso à Vila Landinha) e até para almoçar eles vinham com aquele monte de armas”, recorda.
Flamenguista aguerrido em outros tempos, hoje ele não se liga tanto no futebol como antes, mas conta que passou a torcer para o Rubro-Negro pelo fato de que praticamente todos aqui torciam para um time carioca.
“Eu me tornei flamenguista contra a vontade das minhas irmãs, que são vascaícas, quando o Flamengo se tornou tri-campeão carioca, em 1955. Foram três títulos consecutivos e aí eu pensei: Esse é o meu time.” De engraxate a contador e advogado Clevelande conta que, quando criança ainda, queria comprar uma bicicleta e, por isso, decidiu trabalhar de engraxate para juntar o dinheiro.
“Meus clientes principais eram o Pedro Castilho e os irmãos Zé Cardoso e Cardosinho. A gente (os meninos engraxates) fazíamos ponto em frente ao cinema do Ranulfo. Mas nao tinha nada demarcado, quem chegasse mais cedo pegava os melhores lugares. Eu tinha um amigo, o Wilson, filho do senhor Tito Valdemar Vieira, que também engraxava. Nós tínhamos um acordo, dormíamos com um barbante amarrado no dedão do pé, um ao lado do outro e, para pegar o melhor ponto e, quem acorda primeiro puxava o barbante, acordando o outro”.
A formação em Contabilidade, ele agradece ao pioneiro da educação no município naquela altura, o doutor Luiz Batista, fundador do Colégio Comercial Independência, primeiro a ofertar o ensino de segundo grau na cidade. “Eu vou, inclusive, pedir ao Boff (vereador Huander Boff), que faça uma homenagem a ele na Câmara Municipal. Acho um absurdo não haver nenhuma homenagem da cidade a este homem que trouxe a educação de segundo grau para o interior do Estado, particularmente, para nossa cidade”, lamenta.
O contador lembra as dificuldades que teve para estudar. “Na altura não havia energia elétrica constante e a gente não tinha como estudar fora. Quando o motor que gerava energia durante uma parte da noite ficava avariado, demorava às vezes até um mês para retornar. Então, a gente levava lampiões Aladim para a sala de aula, para poder continaur estudando”, recorda.
Na década de 80 Clevelande decidiu se tornar advogado e formou-se em Direito, passando a exercer simultaneamente as duas profissões. De católico fervoroso a evangélico Clevelande, que é muito conhecido na cidade por seu bom humor e pelas piadas gostava de fazer, tornous-e uma figura quase folclórica. Mas esses tempos, ele nem gosta de comentar.
“Envolve muita coisa, política, traição conjugal, melhor deiixarmos isso pra lá”, esquiva-se. Pai de duas filhas, Lara e Laysa, ele conta que foi, junto com sua esposa, o contador da igreja católica, desde o lançamento da pedra fundamental até a primeira missa. Sem enrar em detalhes, ele conta que hoje é membro atuante da Igreja Assembleia de Deus, no Campo Novo.
“Eu tenho uma saudade muito grande daquela São Francisco antiga onde cresci e estudei. Hoje mudou tudo”, encerra ele, cheio de nostalgia.