Máfia dos guinchos: até papel timbrado da PM para receber propina

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576Documentos com papel timbrado do Batalhão de Polícia de Trânsito Rodoviário e Urbano (BPTran) da PM comprovam o que a Justiça define como pagamento de propina da “Máfia dos guinchos”, que resultou, nesta semana, na condenação de quatro oficiais da Polícia Militar do Espírito Santo por improbidade administrativa.

Nas páginas 250, 251 e 252 do processo, que tem 12 volumes, há registros impressos de “relação de guincho” datados de abril, maio e junho de 2008, nos quais constam valores que uma das empresas de remoção de veículos flagrados em blitze do BPTran deveria depositar.

Nesse documento de junho, os valores de repasse segundo a Justiça se revertiam em favor da Associação dos Servidores do Batalhão de Trânsito (Assetran). Eles eram fixados entre R$ 8 e R$ 10 por cada veículo recolhido. 
Na relação de junho, eram 300 veículos a R$ 8 cada, resultando em R$ 2,4 mil, e 35 a R$ 10, correspondendo a R$ 350,00.

No total, a arrecadação com os veículos recolhidos chegou ao valor de R$ 2.750,00 . O texto deixa claro que “conforme acordo firmado em 6/11/ 2007, seguem os valores a serem depositados”.

Impunidade

Para o juiz Jorge Henrique Valle dos Santos, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, os documentos timbrados representam “certeza de impunidade”. O juiz condenou por improbidade administrativa o ex-comandante da PM, coronel Antônio Carlos Barbosa Coutinho, o ex-comandante do BPTran, tenente-coronel Valdir Leopoldino da Silva Junior, coronel Carlo Marx Siqueira e tenente-coronel Altiere de Carlo da Silva Machado (na ativa).

Consta no processo que aconteciam reuniões entre donos de guinchos e de pátios na sede do Batalhão de Trânsito. Nessas reuniões era discutido o valor do repasse. “Aqueles que não repassam o valor são advertidos de serem descredenciados e de deixar de funcionar como pátios regulares”, diz a denúncia do Ministério Público.

Segundo a mesma denúncia, toda vez que o Batalhão de Trânsito apreendia um veículo, um policial acionava um guincho, que levava o carro até um pátio. Quanto mais carros eram apreendidos, mais as empresas lucravam e mais a Assetran recebia de propina.

Segundo a denúncia, o tenente-coronel Leopoldino teria “capitaneado o esquema ilícito”. Já o coronel Coutinho “tinha ciência das irregularidades cometidas e foi conivente”.

Denúncias

Esquema
          657  “No Batalhão de Trânsito Rodoviário e Urbano, o Ten Cel Leopoldino é dono de um esquema que envolve empresas de guincho e blitz. Funciona assim: somos sempre escalados para fazer blitz nos finais de semana e somos pressionados pelo comando para apreender veículos, custe o que custar. Existe até uma competição entre equipes de serviço, quanto mais aprende, melhor”.

Depósito
            “Que de modo a impedir que algumas empresas de pátio dessem dinheiro aos policiais, estimulando assim a corrupção, orientou donos de pátios que não dessem dinheiro aos policiais, e sim, e se pudessem, fizesse depósito diretamente ao Batalhão, através da Assetran”.
Coleta 
            “Que por orientação do Cel Leopoldino, o depoente, desde que assumiu o posto, por aproximadamente três vezes, se dirigiu às empresas de depósito de veículos para recolher valores em espécie em cheques, para serem repassados a Assetran, chegando algumas vezes a se dirigir à sede do Batalhão de Policiamento Rodoviário e entregar os valores à pessoa responsável (tesoureiro)”. 

Documento mostra que 2º tenente da PM pediu a uma empresa doação para festa Doação bancava uísque e churrasco de oficiais 

Além de arrecadar dinheiro de empresas de guincho e pátios de estocagem de carros, proveniente da apreensão de veículos em blitze do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) da PM, a Associação dos Servidores do Batalhão de Trânsito (Assetran) também recebia doações de empresas para beneficiar oficiais com uísque, vinho e churrascos.

No processo que apurou a atuação do esquema da “Máfia dos guinchos”, e que resultou na condenação de dois tenentes-coronéis e dois coronéis da PM por improbidade administrativa, há até uma solicitação formal de doação feita por um 2º tenente do comando do posto de trânsito de Itapemirim, datada de 2007.

No documento, o 2º tenente pede a um depósito de carros doação de carnes e cerveja para confraternização de fim de ano dos policiais militares do posto de trânsito, “nos mesmos moldes dos anos anteriores”. E destaca: “Desde já, agradeço e coloco os serviços operacionais deste posto a disposição de vossa empresa”.

Particulares

Na lista de despesas realizadas pela Assetran, constam, entre outras, aquisições de “carnes diversas para churrasco”, de “mimos” para um tenente e militares transferidos para a reserva, de garrafas de uísque para confraternização de membros do BPtran.

Há também compra de uísque para viagem ao Pico da Bandeira, de uísque e vinho para jantar de oficiais, e despesas de alimentação para alguns oficiais durante passeio a Sooretama. As despesas eram bancadas por doações de empresas privadas.

Na denúncia que resultou na condenação dos oficiais Antônio Coutinho, Valdir Leopoldino Junior, Carlo Marx Siqueira e Altiere Machado, constam termos de doações feitas por representantes de empresas de remoção de veículos (guinchos) para manutenção operacional do BPtran e de posto de trânsito no interior.

A Assetran também firmou um contrato de concessão de área no próprio Quartel Geral da Polícia Militar, em Maruípe, Vitória, com uma empresa de telefonia, para instalação de uma estação rádio base de telefonia celular. Pelo aluguel do espaço, há registro na conta da associação de R$ 60,8 mil.

 Outro lado

Militares não são localizados

A GAZETA procurou, ontem, por meio de ligações telefônicas, os coronéis Antônio Carlos Barbosa Coutinho e Carlo Marx, e os tenentes-coronéis Altiere de Carlo da Silva e Valdir Leopoldino, diretamente e por meio de seus advogados, mas nenhum deles foi localizado. Até ontem à tarde, a 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória não havia notificado os réus.

Entenda o caso

 A “máfia”

2008
            Em 2008, o Ministério Público Estadual (MPES) denunciou à Justiça a cúpula do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar do Espírito Santo por um esquema de blitze para apreensão de veículos e arrecadação de dinheiro das empresas donas de pátios para onde os carros eram levados. O esquema ficou conhecido como “Máfia dos guinchos”.

Valores

Blitze
Segundo o MPES, os valores repassados pelos empresários eram calculados com base no número de veículos armazenado nos pátios após blitze do Batalhão de Trânsito. O repasse variava de R$ 8 a R$ 10 por veículo.

Doações

Assetran
            Donas dos pátios de veículos efetuavam doações que eram depositadas na conta da Associação dos Servidores do Batalhão de Trânsito (Assetran). Em conta bancária da associação houve movimentação de R$ 122 mil decorrentes de depósitos das empresas de guincho e pátio de depósito de veículos.

Telefonia

Concessão
            Também foi denunciado um contrato de concessão de uso de área no Quartel da Polícia Militar, em Maruípe, Vitória,para instalação de uma estação rádio base de telefonia celular, firmado entre a Assetran e uma operadora. O dinheiro era repassado em favor da associação privada.

Sentença

Oficiais
            A denúncia foi acatada pelo juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, Jorge Henrique Valle dos Santos, que condenou dois coronéis e dois tenentes-coronéis da Polícia Militar do Espírito Santo por improbidade administrativa. 
Condenações

Valdir Leopoldino da Silva Júnior, Altiere de Carlos da Silva Machado
Por se utilizarem de suas funções públicas para auferir vantagem econômica indevida, a sentença impõe perda de suas respectivas funções públicas na Polícia Militar e pagamento de multa de R$ 50 mil cada um.

Antonio Carlos Barbosa Coutinho

Por conivência e omissão diante da ciência de esquema ilícito no âmbito do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, bem como na autorização indevida de quantia para as contas da Assetran, pagamento de multa de R$ 30 mil. Carlo Marx Siqueira Rocha

Por participar e concordar com a transferência de verbas públicas para as contas privadas da Assetran/Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, pagamento de multa de R$ 20 mil.

Assetran/Batalhão de Trânsito, Antonio Carlos Barbosa Coutinho, Carlo Marx Siqueira Rocha e Valdir Leopoldino S. Júnior 
Por dano ao erário estadual, com desvio de verbas oriundas do contrato de concessão de uso firmado pela PMES e empresa de telefonia, ressarcimento integral do dano, de forma solidária, no valor de R$ 60.882,62.

Pedido de anulação de multas

A deputada estadual Janete de Sá (PMN) pediu o cancelamento das multas e o ressarcimento do dinheiro gasto por motoristas que tiveram os carros guinchados em vagas de rotativo a partir do dia 26 de fevereiro deste ano. Nessa data, foi publicado o Decreto Municipal 16.236/2015, que regulamenta o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para estacionamento irregular em rotativo.

“O município regulamenta prazo de 48 horas para apresentar defesa. Mas o máximo que uma pessoa fica no rotativo é nove horas. Estão multando e removendo sem nenhum aviso antes que vença o prazo de defesa”, diz a deputada, relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Máfia dos Guinchos. O pedido foi feito na última terça-feira, na Prefeitura de Vitória. (Katilaine Chagas).

Fonte: gazetaonline

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